sexta-feira, 4 de maio de 2012

Pai

19 de janeiro de 2012... eu ainda não achei as palavras... ainda não sei lidar com isso...

Eu vivi tudo de mais bonito, genuíno e sincero que uma filha pode viver com uma pai. Tudo o que cabe nessa relação eu vivi! Foi forte, seguro e intenso. Ele foi um pai presente, participativo e amoroso. E, ao longo da minha vida, eu sempre tive a exata consciência disso. Qualquer que fosse essa data, sempre seria cedo...

O único consolo que pode haver diante dessa situação é poder olhar para trás e não ter nada a reparar, nenhum arrependimento, nada por fazer. Fui plenamente feliz como filha dele e acho que nunca dei motivos para que ele se envergonhasse ou ficasse decepcionado comigo. Lógico que fiz coisas que devem o ter deixado triste e/ou irritado, como toda criança e adolescente faz. E ainda bem, porque isso é algo natural das relações (de qualquer relação) e é o que garante a verdade delas. Em tudo: sempre o respeito.

O difícil é conviver com o presente e o futuro sem ele... sem a sua presença espirituosa, sem sua jovialidade, disposição, bom humor, brincadeiras... sem sua sabedoria, paciência infinita, segurança, proteção, seu equilíbrio, sensatez... sem sua curiosidade instigante que contagiava, suas tiradas, suas idéias e suas soluções criativas... sem o seu carinho, seu cuidado, sua preocupação silenciosa com detalhes, sua atenção, seu amor... sua generosidade e exemplo de vida... ele sabia muito sobre a vida e sobre o que é realmente importante... os livros que ainda tínhamos para ler... os programas que íamos fazer... as viagens... as comidas... as conversas... os abraços... tantos planos eu tinha...

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Cada família tem seus códigos próprios. Esse blog deixa nas entrelinhas os códigos da minha família, daí o nome que escolhi para ele. Os meus códigos familiares têm raízes profundas e bem fincadas no solo porque vêm dele, do meu PAI.

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O braço dele por trás das minhas costas segurando o meu braço do outro lado e a gente caminhando e conversando... assim, juntinhos... de repente, upa! A perna dele levantava para o lado e me levantava junto! Meu grito de susto e a risada gostosa e sincera dele!

Sentada no sofá ao lado dele sentindo todo o carinho da mão grande e grossa do trabalho coçando a minha cabeça enquanto a gente assistia qualquer coisa na TV...

Ele chegando perto de mim, não importasse o que eu estivesse fazendo, para falar das últimas conclusões sobre um tema qualquer: de física quântica à bíblia, passando por OVNIs e política... ou só contar uma coisa engraçada que aconteceu naquele dia.

Deitada na cama dele ou no sofá da sala lendo em voz alta um livro novo com um tema interessante... e parando a cada frase que nos surpreendesse... ele abria bem os olhos e levantava as sobrancelhas... Ou.... eu parando a leitura para saber se ele já tinha dormido: "Pai, vc está dormindo?". "Hum?" (assustado). "Pai vc estava dormindo???" (indignada). "Não. Não estou, não". "Então o que eu li por último?". Às vezes ele respondia certo... em outras, se enrolava todo... "Pai, vc já estava dormindo!! Nem ouviu!" (indignada). "Filhota, sabe o que é? É que o pai tá cansado demais hoje" (dizia isso com todo o cuidado para não me magoar por não ter conseguido ficar acordado).

O picadinho de chuchu e o arroz, feijão e bife temperadinhos que eu fazia e ele gostava tanto... eu caprichava no alho e cebola...

Os passeios no clube quando era criança...

As idas para a "roça" indo ver as plantações dele no trator...

As invenções dele compartilhadas com a gente...

Nossas brincadeiras de esconde-esconde quando ele chegava da "roça" extremamente cansado, sujo, com o cabelinho branco bagunçado e a disposição de quem acabou de acordar de um sono longo e reparador... rolava no chão, jogava a gente pra cima, se escondia em cima do guarda-roupa (exatamente! em cima do guarda-roupa! imagine o que é isso para uma criança!!! nunca vou esquecer da minha felicidade por encontrá-lo ali depois de um tempão procurando!!!), depois deitava no chão (como quem deita num colchão de plumas), esticava o braço para a gente colocar a cabeça em cima usando de travesseiro e conversava... perguntava do dia, da semana, da escola...

A noite inteira acordado comigo quando eu tive rubéola e me coçava inteira, desesperadamente.

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Me faltam palavras porque tudo o que eu penso em escrever sempre é pouco... é nada diante do que é...

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Divertido. Professor Pardal. Culto. Sonhador. Filho. Caprichoso. Irmão. Compreensivo. Leitor. Crítico. Marido. Pesquisador. Amigo. Trabalhador. Conselheiro. Criativo. Amoroso. Inventor. Sogro. PAI. Lindo. Feliz. Sábio. Paciente. Carinhoso. Tolerante. Alegre. Tricolor. Generoso. Brincalhão. Inteligente. Humano. Aventureiro. Avô. Pensador. Técnico. Tio. Presente. Cunhado.

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Quando o Pedro disse, naquela noite, para as crianças que o Vovô Carlos tinha morrido, o Dudu (5 anos) olhou assustado para ele: "Morreu?". O Pedro confirmou. Dudu nada mais disse. Sabia, intuitivamente como toda criança sabe, que aquilo era algo forte e definitivo. A Mana me olhou sentada no sofá ao lado deles - olhos vermelhos, chorando, desolada - e não disse nada. Sentou no meu colo, virada de frente para mim, as perninhas ao redor do meu quadril, me abraçou. Depois colocando as mãos no meu rosto: "Mamãe, fica feliz que o vovô está bem". "Mamãe, eu te amo e vou ficar com vc para sempre". Por várias vezes repetiu isso, me fazendo carinho e me beijando. O silêncio e as palavras das crianças...

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Um comentário:

  1. Texto simplesmente perfeito amiga...cada palavra sua aqui tem um momento único e um peso de cada emoção vivida que só lendo para saber e ter essa sensação...seu pai é uma estrela que agora brilha no céu e que te guia todos os dias...beijo grande...

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